RATINHO JUNIOR QUER GASTAR R$ 309 MILHÕES EM ESTRADA SOB MEDIDA PARA PORTO PRIVADO AO LADO DA ILHA DO MEL
Obra vai desmatar trecho preservado
de Mata Atlântica para viabilizar terminal de contêineres
a três quilômetros de ponto turístico no Paraná.
O GOVERNADOR DO PARANÁ, Ratinho Junior, filho do apresentador de televisão Ratinho, decidiu construir uma rodovia de pista dupla que vai devastar ao menos 288 hectares de um dos trechos de Mata Atlântica mais bem preservados do país. Embora seja uma obra pública, bancada com recursos do contribuinte, a estrada foi projetada para viabilizar a construção de um porto privado em Pontal do Paraná, no litoral do estado. O governo se justifica dizendo que há congestionamentos durante a temporada de verão no único acesso hoje existente, a PR-412, uma velha estrada de pista simples.
A estrada irá afetar profundamente o ecossistema, a paisagem e indígenas e comunidades de pescadores que vivem na região há várias gerações. O terminal de cargas irá multiplicar o impacto ambiental causado pela via, afetando inclusive a Ilha do Mel, ponto mais conhecido da orla paranaense e reconhecida pela Unesco como Reserva da Biosfera e Patrimônio Natural Mundial, com 92,6% da sua extensão protegidos por lei.
O Ministério Público do Paraná afirma que a obra pode caracterizar “gasto indevido de recursos públicos para favorecer particulares”, nas palavras do promotor de Justiça Alexandre Gaio, responsável pelo Núcleo de Meio Ambiente.
O projeto da estrada de 24 quilômetros foi pago pelo grupo JCR, iniciais do empresário João Carlos Ribeiro, o idealizador do Porto Pontal. Interessado em apressar o processo, em 2014 o empresário doou o projeto da rodovia ao estado, como já financiara, tempos antes, o estudo que embasou o novo plano diretor de Pontal do Paraná, cujas novidades favoreceram o seu futuro negócio.
Embora seja uma condição do Ibama para a instalação do porto, o processo de licenciamento ambiental da rodovia é cercado de possíveis irregularidades: ignorou a necessidade de uma avaliação do Ibama e se baseia em um parecer de técnicos que, achando os estudos ambientais frágeis e incompletos, ressalvaram no próprio documento o “direito de não emitir opinião de valor acerca do processo administrativo de licenciamento”. O responsável por assinar a licença é um funcionário do Instituto Ambiental do Paraná, o IAP, hoje afastado por responder a ações criminais e de improbidade administrativa.
A rodovia é uma das heranças deixadas pelo ex-governador tucano Beto Richa a seu sucessor e aliado, Ratinho Junior, do PSD, e que, após vencer a eleição no primeiro turno, passou a se apresentar como Carlos Massa Ratinho Junior. Eleito sob o slogan “Chegou a hora de mudar”, ele ignorou as inúmeras irregularidades que Ministério Público e entidades ambientalistas já haviam apontado na primeira etapa do licenciamento ambiental da estrada. O licenciamento chegou a ser impedido por uma decisão judicial, derrubada pelo governo no ano passado. O Ministério Público recorreu, mas não há data para o julgamento.
Em fins de 2018, ainda antes de assumir o cargo, Ratinho Junior passou a defender com entusiasmo o porto privado e a rodovia de R$ 309 milhões. Uma vez na cadeira de governador, não tomou medidas para reavaliar o projeto, mesmo com os problemas elencados por ambientalistas e promotores de justiça.
Ao contrário, o político – que já namorou Lula e o PT e se elegeu abraçado à extrema direita de Jair Bolsonaro – procurou uma maneira de justificar o gasto de centenas de milhões de reais do dinheiro público numa obra que parece projetada sob medida para um grupo privado. O governador tem dito que a estrada será feita de qualquer maneira por ser uma reivindicação de moradores de Pontal de Paraná.
Mas o fato é que o projeto da estrada só deslanchou depois de muita pressão do grupo JCR sobre o governo estadual, ainda na época de Richa.
Empresários e governador dizem que oposição à estrada se deve a interesses econômicos.
Pontal do Paraná é um município com 27 mil habitantes, orla de praias retas e mar quase sempre escuro, margeada pela PR-412 e por condomínios e bairros de balneários que, no verão, são o destino de famílias de classe média e média baixa de Curitiba e interior. Na cidade, é mais fácil encontrar apoiadores da estrada e do porto. Preocupada com a falta de emprego, a população local não vê com bons olhos a batalha de ambientalistas e MP contra as obras – especialmente depois que a Techint Engenharia e Construção encerrou a montagem de uma plataforma de petróleo na cidade e dispensou 3 mil trabalhadores em outubro passado.
“Com a saída da Techint deixaram de circular em Pontal cerca de R$ 12 milhões por mês. É muito para um município com orçamento anual de R$ 110 milhões”, justifica-se o presidente da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da cidade, a Aciapar, Ercio Weschenfelder. Segundo ele, a cidade vive do comércio, que é sazonal: vende bem na temporada de verão e passa o resto do ano às moscas.
Sem apresentar provas, ele disse acreditar que a oposição ao projeto da estrada e do porto é guiada por interesses econômicos: “Eu não tenho dúvida nenhuma que interesses econômicos muito grandes estão por trás disso. Interesses que partem de concorrentes, da nossa cidade-mãe”, me falou, ecoando um discurso também usado por Ratinho Junior. Weschenfelder referiu-se a Paranaguá, a 27 quilômetros dali e sede do maior porto graneleiro do país, que abriga também um terminal de contêineres, vendido recentemente para a estatal chinesa CMPort.
https://theintercept.com/2019/12/11/ratinho-junior-estrada-porto-ilha-do-mel/
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