sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

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Bolsonaro contra a República


Crédito: Divulgação

Jair Bolsonaro, representante máximo do Poder Executivo nacional, disparou de seu celular uma mensagem na qual conclama a população a protestar contra os congressistas. Ele se defende, alegando que enviou a tal mensagem a amigos. Pois bem, para amigos o presidente pode mandar, por exemplo, comentários sobre futebol. Mas, como mandatário, jamais poderia encaminhar o que encaminhou, com o Hino Nacional feito trilha sonora: “-15 de março. Gen Heleno / Cap Bolsonaro. O Brasil é nosso. Não dos políticos de sempre”. Tem mais: “Ele foi chamado a lutar por nós (…), ele quase morreu por nós. Ele está enfrentando a esquerda sanguinária e corrupta”. É importante observarmos que, o “15 de março”, do início do texto, é a data da manifestação que bolsonaristas e a extrema-direita golpistas marcaram para protestar contra o Parlamento e o STF – e as convocatórias criminosamente propõem o fechamento de ambos e a volta do famigerado AI-5 da ditadura. Qualquer cidadão é livre para protestar contra quem quiser, mas Bolsonaro, como chefe do Executivo, não pode ter o seu nome ligado a atos contra os demais poderes republicanos.
O empresário e o caminhão
O que Bolsonaro fez é crime de responsabilidade, mais um a ensejar o impeachment. É subversão! Nenhum poder republicano pode insuflar o povo contra outro poder, e fazê-lo significa subverter a ordem legal e constitucional, prevista no artigo 2º da Carta Magna, a fixar que os três poderes têm de funcionar com pesos, freios e contrapesos, de tal forma a dar-lhes independência, mas, também, harmonia. No momento em que um deles (Executivo, Legislativo, Judiciário) se insurge contrariamente aos demais, está atuando fora da legalidade. É, portanto, constitucionalmente, um gesto subversivo. Por que? Porque o Estado de Direito e a democracia têm, como definição precípua, colocar limites a si próprios. Romper esses limites é subverter a ordem. No âmbito de qualquer teoria e conceito de Estado democrático e liberal, configurou-se, na última semana, um dos maiores ataques institucionais e contrários a República na história brasileira. Mas, em contrapartida, a reação em cadeia em defesa da legalidade foi imediata. E arrasadora.
Uma das respostas mais contundentes veio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos principais intelectuais brasileiros que sentiu na carne o regime de exceção quando se viu obrigado a integrar a diáspora de perseguidos pela ditadura. “(…) Estamos com uma crise institucional de consequências gravíssimas. Calar seria concordar. Melhor gritar enquanto se tem voz, mesmo no Carnaval, com poucos ouvindo”, escreveu ele nas redes sociais. Claro que ao levar diversos militares, alguns na ativa, para o Palácio do Planalto, Bolsonaro sabe que tem mais chances de sustenção política pela farda. Uma voz da reserva, porém, em cujas estrelas de general brilha o respeito das Três Armas, levantou-se energicamente contra um post que circulou com imagens de quatro militares (entre elas a do vice-presidente Hamilton Mourão e a do ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno), unindo-os à manifestação do próximo dia 15. Trata-se do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo. Escreveu ele: “Exército (…) instituição de Estado, defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais (…). Confundir o Exército com alguns assuntos temporários de governo, partidos políticos e pessoas é usar de má fé, mentir, enganar a população”.
Existe, embora ainda seja tímido, um grupo de militares que se preocupa, e muito, com a ilusória sobreposição do governo e das Forças Armadas, até porque, com essa intenção, Bolsonaro leva cada vez mais militares para trabalharem no Planalto. Santos Cruz resumiu a preocupação de que a instituição e as posições radicais do presidente acabem confundidas. E, não esqueçamos, que o capitão já tentou promover isso no ano passado, tanto contra o Congresso quanto contrariamente ao STF. Como já se disse, ele vai subvertendo a democracia e testando limites. Tem apoio para isso, como o do empresário Otavio Fakhoury, um dos financiadores do site “Mkt Bolsonaro”. “Não vou deixar esses canalhas derubarem o governo”, diz ele. “Vou ajudar a pagar o máximo de caminhões que puder”. No site de Fakhoury há empresários, investidores do mercado financeiro e também Carlos Costa, chefe da Secretaria Especial de Produtividade, órgão ligado ao Ministério da Economia.
É nessa toada que o presidente segue o seu roteiro.
Sem dúvida todos nós lembramos do Carnaval do golden shower, no ano passado. Doze atribulados meses se passaram, e agora vivenciamos o Carnaval do mais grave, sério eperigoso ataque do Poder Executivo visando à ruptura de instituições. O ministro Augusto Heleno e Jair Bolsonaro rasgaram preceitos da Constituição como se rasgam e se descartam fantasias. O primeiro a ferir a legalidade foi Augusto Heleno e o segundo, Bolsonaro — como nenhum dos dois são bisonhos, valendo-se aqui de uma expressão ligada aos quartéis, difícil crer que não estivessem combinados. No último dia 18, em cerimônia de hasteamento da Bandeira Nacional diante do Palácio da Alvorada, um vazamento no sistema de som do próprio governo trouxe a público absurdas ofensas do ministro aos parlamentares (vale indagar: será que o responsável pela segurança institucional não queria mesmo o vazamento?). “Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente o tempo todo. Foda-se”. Referia-se Heleno, assim, à legítima articulação parlamentar para derrubar vetos presidenciais ao Orçamento impositivo. Voltando-se bastante no tempo e relembrando a tenebrosa época do AI-5, que Heleno apoiou em 1968, o seu “foda-se” é uma escala ainda mais baixa que a fala do coronel e ministro Jarbas Passarinho na reunião que decidiu pelo fechamento do Congresso naquele ano: “Às favas, senhor presidente, nesse momento, todos os escrúpulos de consciência”. O palavrão de Heleno superou o desdém de Passarinho pela legalidade e funcionou como uma espécie de senha para que militantes bolsonaristas e não bolsonaristas extremistas passassem a convocar a população para um ato público contra o Congresso e o STF.

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