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“Chegamos ao fundo do poço e continuamos cavando.
É o caos. Não tem
como dar certo”
Alvaro Dias, líder do Podemos
Para o presidente, o maior problema desse casamento é de imagem. Colocar o PP no coração do Planalto significa entregar a chave do cofre à legenda que esteve no centro dos escândalos do Mensalão e do Petrolão. Nogueira, implicado no esquema do “quadrilhão do PP”, é alvo de cinco inquéritos criminais, apesar de negar qualquer malfeito. Representa a negação da bandeira que elegeu Bolsonaro, a de enterrar o “toma lá, dá cá”. É exatamente o que se espera do novo ministro. Isso levou o mandatário a calibrar o discurso. Nas entrevistas que concede a rádios regionais para tentar recuperar a popularidade, ele se rendeu: “Eu sou o Centrão”. Reconheceu, tardiamente, sua origem no balcão de negócios do baixo clero no Congresso. Sobre os múltiplos processos dos seus aliados, também admitiu que é réu no STF. “Se tivesse de romper com políticos que são réus ou investigados, perderia metade do Parlamento”, afirmou, dando um cavalo de pau no mantra que sempre usou para sua base.
Um ponto fundamental será “desarmar a bomba” da CPI. A tropa de choque do governo, sob o comando de Onyx Lorenzoni, decidiu partir para o confronto com a cúpula da comissão, estratégia da qual Ciro discorda. “Como se negocia a favor do presidente se os apoiadores do Bolsonaro atacam todo dia? É constrangedor”, disse um interlocutor do senador piauiense. Além de não ter esse perfil, Ciro quis evitar atritos com senadores que são próximos a ele, como o relator, Renan Calheiros (MDB). Uma das principais missões vai ser trabalhar para desarticular o G7, grupo majoritário da CPI composto por senadores independentes e da oposição. Depois de Eduardo Braga ter abandonado o G7, senadores próximos ao novo titular da Casa Civil acreditam agora que Ciro vai tentar convencer Otto Alencar (PSD) e Tasso Jereissati (PSDB) a fazerem o mesmo. Outra tarefa será preparar o terreno no Senado para que André Mendonça seja aprovado para a vaga no STF. Pessoas próximas ao senador afirmam que ele avisou que “vai pegar Mendonça pelo braço” para fazer um périplo na busca por apoio. O pastor e ex-AGU precisa disso. Com a desarticulação do governo, ele corre mesmo o risco de não ser aprovado. Davi Alcolumbre, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que virou desafeto do presidente, tem sido um dos principais obstáculos às pretensões de Mendonça, que tem sido visto vagando sozinho pela Casa, batendo em gabinetes.
A posse de Ciro também desaloja os militares, que têm servido de escudo ao presidente. A mudança envolve todo o Planalto. A primeira vítima foi o general Luiz Eduardo Ramos, que cedeu a cadeira para Ciro e foi deslocado para a Secretaria-Geral. Pego de surpresa pela mudança, ele disse que “foi atropelado por um trem”. Tentou até o último momento demover o presidente, mas foi derrotado. Depois de desancar o grupo fisiológico em forma de samba na campanha de 2018 (“Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”), outro general que está cada vez mais escanteado é Augusto Heleno, do GSI. Walter Braga Netto, que ocupou a Casa Civil e está atualmente na Defesa, é igualmente atingido. Ele virou alvo do Centrão antes mesmo da indicação de Ciro. O grupo comemorou discretamente o vazamento de sua ameaça às eleições de 2022, episódio que o deixou na defensiva. Sua intimação para explicar as declarações pelo Procurador-Geral, Augusto Aras, ampliou essa sensação de fragilidade. Mais que isso, o grupo fisiológico foi firme para descartar a volta do voto impresso, na contramão de Bolsonaro e seus generais. O próprio Ciro participou do grupo de 11 presidentes de partido que enterrou a proposta. Com os militares afastados do coração do poder, o papel deles, cada vez mais, passa a ser apenas tentar difundir o bolsonarismo nos quartéis. A avaliação de um general muito próximo a Bolsonaro é que esse afastamento vai criar um problema para o presidente. “Bolsonaro usa a presença deles para dizer que tem o apoio das Forças Armadas. A saída vai esvaziar esse discurso. Isso é péssimo. De quebra, o presidente vai ficar ainda mais na mão do Centrão, como era com o PT, que ele tanto criticou.” Bolsonaro não está deixando pelo caminho apenas esse grupo de sustentação. O destino dos militares é semelhante ao do núcleo ideológico, que já tinha sido varrido da Esplanada dos Ministérios com as demissões de Ernesto Araújo (Itamaraty), Ricardo Salles (Meio Ambiente), Abraham Weintraub (Educação) e Fábio Wajngarten (Secom). Apenas Damares Alves (Ministério da Mulher) permanece em Brasília, mas enfraquecida.
Também há um objetivo eleitoral para Ciro. “Com essa manipulação ideológica, a reeleição vai se tornar uma disputa desigual. Candidatos vão ser inviabilizados por uma estrutura de governo que vai oferecer verbas para atender os interesses eleitoreiros do presidente e seus aliados”, reclama um congressista. Para um observador influente do Congresso, Ciro é um político que tem uma atuação muito parecida com a do próprio Kassab. Sempre procura atrair mais gente para o partido dele. Com o atual movimento, está fazendo exatamente isso: atrair quadros para o seu partido para, depois, repartir as fatias do bolo dos recursos do Fundo Partidário e Eleitoral. “Ao mesmo tempo que ele está chegando no governo, também tenta filiar ministros no PP e atrair o próprio presidente para a legenda. O Bolsonaro precisa de uma estrutura partidária forte para disputar as eleições em 2022, principalmente no Nordeste, que é uma das regiões em que é mais vulnerável. Se todo mundo que o Ciro conseguir filiar for disputar a eleição e vencer, aumenta o número de aliados do presidente nos Estados. A ideia do Ciro é justamente essa: fortalecer o seu partido para ter cada vez mais acesso ao dinheiro dos fundos.” Na visão dele, Ciro vai comer pelas beiradas no começo e “cobrar a fatura de Bolsonaro” depois.
A ascensão reafirma o talento de “camaleão” de Ciro. Líder do PP desde 2013, ele era próximo do falecido deputado Severino Cavalcanti, o “rei do baixo clero”, que tentou emplacá-lo no Ministério das Comunicações em 2005, durante o governo Lula. Antes de aderir ao bolsonarismo, o senador apoiou o PT no Piauí, com o qual rompeu para tentar a eleição a governador pelo Estado, em 2022. Agora, Ciro disse que abortou esse projeto. Ele evita reivindicar a posição de vice de Bolsonaro na campanha do próximo ano, mas não nega que esse é um sonho. Tem dito que há outros na fila. Após azeitar a aproximação do Centrão com o presidente no ano passado, ganhou o apelido de “05”. A conversão ainda lhe causa constrangimentos, já que era um dos maiores apoiadores de Dilma Rousseff e Lula (“melhor presidente da história”) e não economizou críticas a Bolsonaro (“fascista, preconceituoso”). Mas a aproximação ao atual governo desde o ano passado já rendeu frutos. Foi um dos patronos da indicação do juiz Kássio Nunes Marques ao STF.
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