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Tempestade perfeita
Cadeia negativa de acontecimentos climáticos penaliza a agricultura. Onda de frio e seca históricas devem aumentar a inflação, afetar a posição do País no cenário internacional e impactar o PIB deste ano
Vinícius Mendes
“Em 79 anos, eu nunca vi nada parecido”, diz Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Um dos principais especialistas do campo brasileiro, ele se refere à cadeia negativa de acontecimentos climáticos que atinge lavouras do Sul, do Sudeste e do Centro-Oeste desde março. Primeiro, foi a ausência dramática de chuvas. Depois, uma rara e intensa massa de ar frio que avançou sobre o País. “Uma sequência de seca e geada nessa magnitude é raríssima de acontecer”, afirma o ex-ministro da Agricultura, que prevê impactos significativos para a economia, estruturada em torno do desempenho do agronegócio. “Os preços certamente vão subir, afetando cadeias de fornecimento, chegando ao mercado internacional, mas também ao bolso dos consumidores internos”, completa. As produções mais atingidas são as do café, cana de açúcar e milho.
Lavouras de cana podem sentir os efeitos negativos
do frio e da estiagem até 2023, dizem especialistas
Esta é a terceira — e mais intensa — massa de ar frio a atingir o Brasil neste ano. Ela afetou primeiro o Sul, fazendo as temperaturas irem abaixo de zero em áreas rurais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Em algumas cidades até nevou. Depois foi a vez do Paraná. Então, o frio chegou ao Sudeste e ao Centro-Oeste, as regiões mais produtivas do agronegócio. Antes da geada, todos esses estados já vinham sofrendo com a falta de chuvas. “Foi um período que lembrou secas históricas do País, como a dos anos 1960”, afirma Rodrigues, relembrando a estiagem gravíssima que atingiu metade do País entre 1963 e 1964. Essa onda de frio, somada aos estragos da seca, deixará um prejuízo que pode chegar à casa dos bilhões. Só no Paraná, o Departamento de Economia Rural (Deral) estima que a receita dos produtores de milho ficará R$ 11 bilhões menor em 2021. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, declarou que o governo ajudará os produtores prejudicados.
Prejuízos futuros
Mais do que a crise presente, a preocupação é que o frio intenso prejudique as safras futuras. “A cana sentirá os efeitos adversos do período atual pelos próximos três anos, no mínimo, porque se trata de uma planta mais sensível”, argumenta o professor da FGV-SP. A agência de preços britânica AgriCensus é mais pessimista, estimando que Estados como Paraná e o Mato Grosso do Sul não terão capacidade de exportar milho já a partir de setembro. Em Minas Gerais, parte da produção cafeeira ficará paralisada no ano que vem, segundo o engenheiro agrônomo José Donizeti Alves, da Universidade Federal de Lacras (UFLA).
As geadas vão impactar no bolso dos consumidores. Para Alexandre Mori, da Funcional, as perdas nas lavouras de milho terão reflexos nos custos da pecuária, que depende do grão para alimentar os animais. Em 2021, a inflação da carne já é de 17,6%, segundo a consultoria LCA. A elevação também vai chegar às gôndolas nos casos do açúcar e do café. É uma má notícia também para o governo Bolsonaro, que contava com a retomada econômica puxada pela agricultura. “Fazia tempo que não víamos uma sequência tão negativa para o setor. Os números do PIB deste ano vão refleti-la”, finaliza Vieira.
em um mês
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