O advogado do diabo
O personagem de Al Pacino no filme “Advogado do Diabo” ficaria constrangido diante dos malfeitos praticados pela família Bolsonaro com a participação de Frederick Wassef, o advogado do clã. O filho mais velho do capitão, senador Flávio, associado ao rábula que os representa na Justiça, formam uma dupla que faz a ficção do cinema ser superada pela realidade: a ganância é o pecado capital favorito.
O advogado Frederick Wassef é conhecido no Ministério Público Federal e
na Polícia Federal como o “anjo” da família Bolsonaro e dos amigos do
presidente envolvidos nas “rachadinhas” promovidas no gabinete do
senador Flávio quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.
“Anjo”, no entanto, não protege os familiares e amigos dos Bolsonaro com
a benevolência angelical implícita no apelido. Ele está sendo muito bem
pago para isso. O advogado é acusado de se beneficiar de diversas
operações financeiras que têm engordado suas contas pessoais com milhões
de reais, às custas do acesso privilegiado aos membros do clã
presidencial. Ele já representou na Justiça o presidente e seus filhos, e
foi o responsável por suspender as investigações contra o 01 por crimes
como peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
TRIANGULAÇÃO A ex-mulher de Wassef, Cristina Boner,
fechou contratos de R$ 53 milhões com governo Bolsonaro e parte do
dinheiro beneficiou o advogado (Crédito:Divulgação).
Quando Wassef ajudou a esconder Fabrício Queiroz em sua casa em
Atibaia (SP), disse que o fez por questão humanitária, já que o
ex-assessor de Flávio estava com câncer e precisava de ajuda. Mas agora
sabe-se que essa relação foi além da preocupação com a saúde. Extratos
de suas contas bancárias mostram que Wassef era uma espécie de caixa
dois da família. Ele pagou R$ 10 mil ao médico urologista Wladimir
Alfer, que atendeu Queiroz no Hospital Albert Einstein. Há dúvidas
também se partiu de Flávio e do advogado o pagamento de R$ 133,6 mil, em
dinheiro vivo, para a operação no estômago que Queiroz fez no local
para se curar de um câncer.
E Wassef não pagou apenas médicos de Queiroz. Da conta de seu
escritório de advocacia saíram os R$ 276 mil pagos ao advogado que
defendeu Bolsonaro no STF quando ele foi acusado de apologia ao estupro e
injúria contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS). O advogado Arnaldo
Faivro Busato Filho disse que defendeu o presidente de graça, mas nem
Wassef e nem Bolsonaro conseguem explicar a origem desse pagamento.
O prestígio de Wassef junto a Bolsonaro, inclusive, o faz ter
trânsito livre tanto nos palácios do governo como em solenidades
ministeriais. Na posse do atual ministro das Comunicações, Fábio Faria,
em 17 de junho, o advogado foi uma das figuras proeminentes na
solenidade. As suas ligações com o governo são, a cada dia, mais
comprometedoras. Suas suspeitas ligações com a empresa Globalweb,
fundada pela sua ex-mulher, Maria Cristina Boner Leo, têm levado à
constatação de que há a formação de um triângulo financeiro envolvendo o
casal e negócios duvidosos com o governo Bolsonaro. Além de Wassef ter
conseguido a suspensão de uma multa de R$ 27 milhões aplicada pelo
Dataprev à Globalweb, a empresa comandada por Cristina e sua filha Bruna
Boner Leo aumentou seus ganhos com o governo em R$ 53 milhões. Em razão
dessas relações espúrias, o advogado recebeu repasses de R$ 3,2
milhões, em 19 operações realizadas pela ex-enteada Bruna Boner Leo, que
hoje dirige a Globalweb porque a mãe precisou se afastar do negócio em
razão de inúmeros processos que responde na Justiça.
Por que a JBS pagou R$ 9 milhões a Wassef ?
Outro negócio operado por Wassef com a participação dos Bolsonaro é a
ajuda à JBS para que a empresa mantenha o acordo de delação premiada
junto à Procuradoria-Geral da República (PGR). O procurador Augusto Aras
deu prazo de 10 dias para que a JBS explique por que pagou R$ 9 milhões
ao advogado. A PGR pediu, ainda, que o MP-RJ envie detalhes das
operações que aparecem nos relatórios do Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf) envolvendo Wassef com a empresa dos irmãos
Batista.
Wassef tem também participação ativa na defesa de Flávio no caso da
“rachadinha”, embora depois da prisão de Queiroz tenha sido destituído
do caso. Mas, quando ainda era defensor do 01, em julho de 2019 o
advogado conseguiu paralisar a ação envolvendo seu cliente, investigado
por ser o principal beneficiário de R$ 1,2 milhão movimentados entre
2016 e 2017 por Queiroz. Hoje, sabe-se que parte desse dinheiro pode ter
ido parar na fantástica loja de chocolates de Flávio no Rio. O MP
constatou que a loja recebeu mais de 1.500 depósitos feitos em dinheiro
vivo, sempre em valores fracionados de R$ 2.000 ou R$ 3.000, para não
atingir valores controlados pelo Coaf.
Segundo o MP, o senador realizou retiradas de valores da loja logo
depois dos depósitos em espécie. O senador sacou R$ 978.225 entre março
de 2015 e novembro de 2018, coincidindo com o período em que ocorreram
os depósitos, levando à suspeita de lavagem de dinheiro. Diferentemente
do filme, na vida real nenhum dos dois, nem o advogado e nem o senador,
apresentam características de mocinho. O enredo da história envolvendo a
família Bolsonaro mostra como o tráfico de influência no governo se
mantém mesmo com a mudança dos inquilinos do Planalto. Flávio e Wassef
são dois lados da mesma moeda.
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