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domingo, 26 de abril de 2020

A FONTE DA INFORMAÇÃO REVISTA ISTOÉ :

Até aonde ele quer ir?

Isolado politicamente e acuado pela crise econômica e sanitária, o presidente Jair Bolsonaro desafia ainda mais os Poderes. Tenta atrair os militares para seu plano autoritário. Promoveu seu ataque mais ousado contra a ordem democrática no último domingo, 19, quando apoiou manifestações pelo País que pediam a intervenção militar e um novo AI-5. “Não queremos negociar nada. Agora é o povo no poder”, discursou em frente ao QG do Exército, em Brasília. A escalada golpista exige resposta das instituições e da sociedade. Há 24 pedidos de impeachment no Congresso, assim como ações no STF para barrá-lo.

Crédito:  Ueslei Marcelino

O mandato de Jair Bolsonaro já pode ser dividido em duas fases. Até o 19 de abril, havia uma gestão errática, contida pelo Judiciário e norteada por um Congresso reformista. Depois disso, ocorreu uma inflexão, rumo a um governo autoritário, com a intimidação explícita das instituições. Para isso, contou com o apoio de cerca de um terço da população, além do aval de setores militares. Foi isso que se viu nesse dia, quando grupos bolsonaristas organizados promoveram manifestações e carreatas em todo o País pedindo o fechamento do Congresso e do STF. O ato teve seu ápice em Brasília, com o presidente montado na caçamba de uma caminhonete. “Temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem exceção, precisam ser patriotas. Acabou a época da patifaria. Você têm a obrigação de lutar pelo País de vocês”, declarou. O discurso ocorreu no dia do Exército, em frente ao Quartel-General de Brasília, um local simbólico. Dessa forma, o presidente quis deixar claro que estava conclamando as Forças Armadas a se unirem ao povo em torno de si mesmo — uma alusão óbvia a um golpe. No dia anterior, já tinha investido contra o STF. Diante de apoiadores religiosos, fez alusão aos políticos que “querem abalar a Presidência”. “Não vão me tirar daqui, tenho certeza”, disse apontando para a sede do Judiciário. Queixou-se da decisão do STF que garantiu a autonomia para prefeitos e governadores promoverem a quarentena: “Estão fazendo o que bem entendem”.
PLANO DE ATAQUE Os Bolsonaros se preparam no domingo, 19, para participar dos atos de ataque ao Congresso e ao STF (Crédito:Divulgação)
Os atos do domingo foram organizados com o pretexto de apoiar o presidente diante de seus projetos malogrados no Congresso, ainda que a culpa seja da própria desarticulação governista, e de sua cruzada contra as orientações médicas pelo isolamento social, seguidas pelos governadores e prefeitos. Foi a maior aglomeração provocada pelo mandatário desde o início da pandemia. As carreatas ocorreram em várias capitais, inclusive em frente aos hospitais lotados com pacientes da Covid-19 — daí ganharem o apelido, apropriado, de “carreatas da morte”. Ao mesmo tempo, milícias digitais promoveram nas redes sociais o maior ataque já sofrido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e pediram, em São Paulo, a destituição do governador João Doria — o líder informal dos gestores que estão na linha de frente da luta contra a pandemia pelo País. 
STF  e congresso reagem : 
A dimensão e ousadia das manifestações provocou repúdio e mobilizou líderes do Congresso, membros do STF e militares da reserva e da ativa, temerosos com a associação das Forças Armadas ao apelo golpista. “É assustador ver manifestações pela volta do regime militar, após 30 anos de democracia”, divulgou Luís Roberto Barroso, ministro do STF. Seus colegas Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello também criticaram os atos. “Lamentável que o presidente da República apoie um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5”, declarou o governador João Doria. Maior alvo dos ataques virtuais, Rodrigo Maia quis demonstrar tranquilidade: “No Brasil, temos de lutar contra o corona e o vírus do autoritarismo. Não temos tempo a perder com retóricas golpistas. Não há caminho fora da democracia”. A aparente serenidade do presidente da Câmara não traduzia o que acontecia nos bastidores. O clima em Brasília fechou. Diversos parlamentares e autoridades se reuniram na casa de Maia, que conversou com interlocutores do presidente. Generais da reserva, como Eduardo Villas Bôas e Sérgio Etchegoyen, ex-ministro do governo Temer, foram chamados para intervir. Demonstraram aos ministros de farda o desconforto com as imagens de Bolsonaro em frente ao QG do Exército. O presidente do STF, Dias Toffoli, questionou o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, de quem é próximo (foi seu assessor no STF). O militar reafirmou o compromisso do presidente com a Constituição, e minimizou o seu discurso.
JUNTOS Bolsonaro e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que apoia o presidente na luta contra os outros Podres. Porém, soltou nota pregando respeito à Constituição (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Ocorre que foi um ataque contra as instituições, e com a bênção dos militares do Planalto. O ministro da Defesa e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) chegaram a ser convidados por Bolsonaro para acompanhá-lo em frente ao QG do Exército. Não foram, mas avalizaram o chefe. Acham que o presidente está sendo acuado pelo outros Poderes. Depois, com a péssima repercussão, reuniram-se com o presidente, em encontro que juntou Azevedo e Silva, Ramos, Walter Braga Netto (Casa Civil) e Augusto Heleno (GSI). Na saída do Palácio do Alvorada, perguntado sobre o tema da conversa, o chefe do GSI foi lacônico: “Falamos sobre futebol”. Nos dias seguintes, ocorreram reuniões tensas e tentativas de distensão. Ramos, que é responsável pela interlocução com os parlamentares, tentou marcar uma reunião de apaziguamento com Rodrigo Maia. Este sugeriu incluir na conversa o general Braga Netto, de quem é próximo. A conversão não prosperou. Enquanto isso, a reação contra o presidente continuava. Vinte de 27 governadores divulgaram uma carta aberta “em defesa da democracia”. Parlamentares de quase todos os partidos repudiaram a ação do presidente. A Frente Nacional de Prefeitos divulgou uma nota condenando o “atentado à democracia”. Dias Toffoli, sem citar Bolsonaro, declarou que o autoritarismo e os ataques à democracia são gestos “nefastos”. “Não é possível admitir qualquer solução que não seja a dentro da institucionalidade e do Estado Democrático de Direito.” Afirmou isso em evento que reunia a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entre outras entidades.
O EPISÓDIO É GRAVÍSSIMO : 
O impeachment é traumático, mas transigir com a escalada bolsonarista pode ter um custo muito maior. No começo dos anos 2000, a oposição, na época encarnada por Fernando Henrique Cardoso, acreditava que Lula não deveria ser afastado diante do escândalo do Mensalão, de compra de parlamentares. Ele deveria “sangrar”, para se enfraquecer. Jogo jogado. Lula foi poupado e se fortaleceu. Os 13 anos do PT levaram ao Petrolão e a uma nova crise institucional, com a ruína econômica e a eleição de um capitão do baixo clero saudoso do regime militar. O País não deveria repetir seus erros. Aos poucos, Bolsonaro concretiza seu sonho caudilhesco. Como ensinou Hannah Arendt no clássico Eichmann em Jerusalém, as populações que se mostraram mais respeitosas e flexíveis foram as mais devastadas pela ascensão nazista. Como numa fábula orwelliana, está em curso um golpe em câmara lenta. Em uma frase lapidar sobre a recorrente tentativa de militarização da política brasileira, o marechal Castello Branco, em plena ditadura, ironizou as “vivandeiras alvoroçadas” que ao longo da história vêm sempre “bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar”. Pois as vivandeiras estão aí. À luz do dia, buzinando em frente aos hospitais, desafiando as autoridades em plena emergência sanitária, pregando o fechamento do Congresso e do STF, lideradas pelo presidente. Até quando?

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