Hacker que extorquiu padre Robson tinha um romance com ele e ameaçava expor casos, relata decisão
Segundo processo, pároco foi alvo de 5 extorsões e chegou a passar R$ 2,9 milhões da Afipe ao criminoso, o que deu início à investigação sobre desvio do dinheiro de doações. Defesa do padre nega irregularidades e diz que conteúdo usado para chantagem era falso.
Por Rafael Oliveira, G1 GO
O conteúdo usado por hackers para extorquir cifras milionárias do padre
Robson Oliveira Pereira, de 46 anos, que comandava a Basílica do Divino
Pai Eterno em Trindade,
na Região Metropolitana da capital, cita dois supostos casos amorosos
do pároco, segundo depoimentos colhidos pela Justiça junto ao Ministério
Público de Goiás e à Polícia Civil, que investigaram o caso. Ao todo o
padre pagou R$ 2,9 milhões com dinheiro da Associação dos Filhos do
Divino Pai Eterno (Afipe) em troca do arquivamento das mídias. Foi esse
processo que desencadeou a operação que investiga desvio de doações de fiéis.
A defesa do sacerdote, que está afastado das atividades religiosas, disse ao G1
que "padre Robson foi vítima de extorsão, tendo buscado suporte da
Polícia Civil, que monitorou as transações, e culminou na prisão dos
extorsionários. Já houve sentença, e os criminosos foram punidos pelo
Judiciário com severidade. Não havia qualquer conteúdo verídico como
objeto das ameaças".
Do montante de R$ 2,9 milhões, o MP afirma que a associação ficou no
prejuízo em R$ 1,2 milhão, quase a metade da quantia. Segundo a defesa
do padre, o valor usado nos pagamentos foi recuperado e está depositado
em conta judicial, aguardando liberação para retornar às contas da
Afipe, associação que o padre fundou e presidia até pedir o afastamento,
devido às investigações de desvio de dinheiro. A reportagem não localizou a defesa do hacker, identificado como Welton Ferreira Nunes Júnior. Ele e mais quatro pessoas envolvidas no esquema de chantagem foram condenadas, com penas que variam de 9 a 16 anos de prisão, em 2019.
Um dos relacionamentos amorosos apontados pelo juiz Ricardo Prata na
decisão seria com o próprio hacker que invadiu os celulares e e-mails do
padre. O magistrado narra no documento que a informação foi realçada
pelos hackers à época do processo de julgamento.
"Observa-se que os acusados foram responsáveis por transmitir as ameaças à pessoa da vítima [Robson], por meio de mensagens em aplicativos e e-mails. Nessas, disseram os acusados que a vítima possuiria relacionamento amoroso com diversas pessoas, inclusive com o próprio Welton", diz o magistrado no documento.
O documento traz um segundo romance usado no esquema da chantagem. Em
depoimentos ao Ministério Público, um policial civil que estava na
investigação e uma pessoa próxima ao padre disseram que os hackers
encontraram uma foto dele com uma mulher, também do círculo de amizade
do pároco, e uma conversa relatando situações amorosas.
"Ele [Robson] me mostrava [mensagens]. Um dos vídeos, vamos lá, um
deles né, parece que era um vídeo gravando a tela de outro celular, onde
tinha uma foto do padre com a [mulher] próximos um ao outro, e suposta
troca de mensagens amorosas, né?", relatou a pessoa ao MP.
A existência da foto foi confirmada posteriormente pelo hacker em depoimento ao Ministério Público.
"Tinha foto dele com uma moça. Ela falando da data do primeiro encontro dele, essas coisas", narra o hacker.
Padre Robson reassume reitoria do Santuário Basílica de Trindade pelos próximos quatro anos em Goiás — Foto: Afipe/Divulgação
O juiz Ricardo Prata afirma que as ameaças intimidaram padre Robson a
ponto de ele efetuar pagamentos de expressivos valores para fazer a
vontade dos chantagistas.
Diante das extorsões que duraram dois meses, o magistrado diz que "o
padre se viu, por diversas ocasiões, incapaz de celebrar missas e
continuar com o seu trabalho, por ter sido afetado pelos amedrontamentos
para denegrir sua imagem pessoal e como sacerdote".
O pagamento milionário ao hacker levantou suspeitas por parte do
Ministério Público, que começou a investigar os gastos da Associação
Filhos do Pai Eterno. Os promotores apuram se R$ 120 milhões doados por fiéis à entidade foram usados por padre Robson para comprar uma casa na praia, fazendas e outros itens de luxo.
Começo da extorsão
Segundo o MP, dois hackers conseguiram invadir o celular e o computador
pessoal do padre. As extorsões começaram no dia 24 de março de 2017. Um
hacker, sob a alcunha de "Detetive Miami", enviou um e-mail ao
religioso pedindo R$ 2 milhões para não revelar informações pessoais
dele, entre elas, um suposto caso amoroso do padre.
O padre, então, acreditando ser um golpe, por alegar "serem inverídicas
as informações apresentadas", passou a dialogar com o suspeito. Robson
contatou a polícia e acordou, "dissimuladamente", a entrega de R$ 700
mil.
A ação foi feita sob a supervisão da polícia, que autuou parte dos
envolvidos, os levou para a delegacia e depois os liberou. Os hackers
diziam que se não recebessem o dinheiro, entregariam as mídias à
imprensa e ao Vaticano.
Imagens de câmera de segurança (veja abaixo) mostram uma mulher,
considerada o braço direito do padre Robson, deixando maços de dinheiro
em uma camionete estacionada em um shopping de Goiânia como parte dos
pagamentos combinados com os hackers.
Processo que originou ação na Afipe cita extorsões milionárias contra
padre Robson e ameaça de revelar suposto caso amoroso Goiás — Foto:
Reprodução/TV Globo
Novas extorsões
Como o plano não deu certo, os hackers continuaram a se comunicar com o
padre exigindo dinheiro. Diante da situação, seis dias depois, eles
voltaram a cobrar os R$ 2 milhões. Conforme o MP, a "vítima sucumbiu às
extorsões recebidas e passou a realizar diversos pagamentos aos
denunciados, ora sem e ora com o conhecimento da Polícia".
O valor acabou sendo bloqueado pelo banco. Então, os hackers passaram a
cobrar novamente o padre, de acordo com o processo. Em 13 de abril,
eles acordaram o pagamento de R$ 500 mil "até que fosse resolvida a
liberação do dinheiro transferido via transferência bancária". O
dinheiro seria deixado dentro de um carro na frente de um condomínio
fechado.
Não satisfeitos, os suspeitos ainda acertaram um depósito de R$ 80 mil
em 5 de maio. O último acordo foi feito a partir de 12 de maio. Conforme
o MP, como o montante de R$ 2 milhões seguia bloqueado, o padre
"aceitou fazer o pagamento de R$ 300 mil reais de forma parcelada".
Os repasses só cessaram no final de junho, quando o hacker que comandava o esquema foi preso no Rio de Janeiro.
MP deflagra operação da Afipe, em Trinadade e mira padre Robson em Goiás — Foto: Montagem/G1
Padre Robson
Afastado da reitoria do Santuário Basílica de Trindade e da presidência
da Afipe, entidade que ele próprio criou e é responsável por gerir a
igreja, padre Robson é um dos alvos da Operação Vendilhões, deflagrada
na última sexta-feira (21), quando 16 mandados de busca e apreensão
foram cumpridos.
A Arquidiocese de Goiânia informou que uma empresa será contratada para
fazer uma auditoria nas contas da Afipe. A entidade nega ainda que os
valores arrecadados com doações tenham sido usados para outras
finalidades que não as religiosas.
Em decorrência das investigações, o arcebispo metropolitano Dom
Washington Cruz suspendeu temporariamente o direito de padre Robson a
realizar celebrações. No documento, ele justifica que a medida foi
tomada devido à “necessidade de prevenir escândalos, garantir o curso da
Justiça e tutelar a fé, bem como investigar as acusações realizadas
contra o padre Robson de Oliveira”.
Segundo o Ministério Público, a entidade presidida pelo padre recebia cerca de R$ 20 milhões em doações mensalmente.
De acordo com o MP, a Afipe se tornou “uma grande empresa”. Algumas
empresas com as quais a associação negociava tinham os mesmos sócios e
funcionavam no mesmo endereço.
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